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mantida de acordo com o original. No final deste livro
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Rita
Farinha (Março 2012)
NOÇÕES BOTANICAS
DAS ESPECIES
DE NICOCIANA
MAIS USADAS NAS FABRICAS DE TABACO,
E DA SUA CULTURA.
PELO Dr. FELIX DE AVELLAR BROTERO.
LISBOA:
NA IMPRESSÃO REGIA. ANNO 1826.
Com Licença.
[3]
As plantas, cujas folhas se costumão usar na factura
de diversas sortes de Tabaco, são todas do
genero
Nicotiana, segundo a opinião de todos os
Botanicos modernos. Este genero pertence á Familia
das Solaneas da Classe oitava do Methodo
natural do Dr. Jussieu, e á Classe Pentandria,
Ordem Monogynia do Systema artificial do Dr.
Linnéo: as suas notas caracteristicas são as seguintes.
Caracter natural (ou extenso).
O calys he monophyllo, ovado, fendido em
cinco lacinias, e persistente.
A corolla he monopétala, e afunilada; tem o
tubo mais comprido do que o calys, e a orla hum
pouco patente, dividida em cinco segmentos iguaes.
Os filetes dos estames são cinco remontantes,
assovelados, e quasi tão compridos como a corolla:
as suas antheras são oblongas, e obtusas.
No pistillo o germen he sobre-posto ao receptaculo
da fructificação, ovado, e terminado por
hum estylete filiforme do comprimento da corolla,
cujo estigma he hum tanto capitoso, e chanfrado.
O pericarpo he huma capsula ovada com hum
pequeno rego de cada banda, de duas cellulas,
e duas valvulas; abre-se pelo cume, e tem no
centro dous corpos esponjosos apegados ao partimento,
e assim formando hum grosso pilar.
As sementes são numerosas, reniformes, rugosas,
e denigridas, ou ruivas, e oleosas.
[4]
Caracter essencial (ou abbreviado).
O calys fendido em cinco lacinias; corolla
muito mais comprida do que elle, afunilada, fendida
em cinco segmentos iguaes, e regular; estames
inclinados para huma banda; estigma chanfrado;
capsula bivalve, e de duas cellulas.
Especie 1.ª
Nicociana Tabacoeira Vulgar, Herva Sancta,
Herva do Tabaco ordinaria. (
Nicotiana tabacum
Lin.)
Caracter especifico abbreviado.
As folhas são lanceoladas-ovadas, agudas, rentes,
hum pouco decursivas pelo caule; as lacinias
da sua corolla são agudas.
Descripção.
A raiz desta especie he composta de varios
ramos subdivididos em muitas radiculas, mais
ou menos delgadas, alvadias, quasi inodoras, mas
de sabor acre, como o do caule, e folhas. He
annual, ou vivaz, conforme os climas.
O caule he roliço, hum tanto lanuginoso, viscoso,
e dividido em varios ramos alternos, e levantados;
a sua altura, grossura, e duração varía
conforme os climas, e terrenos: nos paizes
quentes, e em Portugal dura vivo mais de hum
anno; no Real Jardim Botanico da Ajuda ha hum
pé de quatro annos, cujo caule he maciço, e lenhoso,
tem mais de quinze palmos de alto, e quase
duas pollegadas de grossura na base.
As folhas são dispostas alternadamente, e sujeitas
[5]
a variar, segundo os climas, e terrenos;
em huma variedade são largamente lanceoladas,
participando hum pouco da forma ovada, agudas,
na base rentes, e ahi rematadas em dous lobulos
obtusos, abarcantes, e mais, ou menos decursivos
pelo caule; em outra variedade são estreitamente
lanceoladas, muito pontudas, e para a
banda da base de tal sorte estreitadas, que parecem
pecioladas, sem com tudo o serem, mas rentes,
com dous lobulos obtusos, muito pouco, ou
nada decursivos; em algumas outras variedades
acima destes lobulos ha huma sinuosidade de cada
lado, e depois a folha fica estreitamente lanceolada;
em todas estas variedades as duas faces
da folha são verdes, mais ou menos lanuginosas,
e viscosas; o seu talo, e veios, mais ou menos
grossos, segundo a crassitude, e extensão do seu
parenchyma; a sua grandeza ordinaria nos terrenos
pingues, e bem cultivados he de pé e meio
até dous pés de comprido, raramente mais, e de
hum pé, ou pouco mais, de largo; mas estas medidas
diminuem muito nos terrenos mediocres, e
pouco ferteis; nos paizes quentes, e no estado da
sua perfeita madureza tem muito forte cheiro.
As flores são dispostas em panicula na extremidade
do caule, e dos seus ramos; são como expuz
no caracter natural do genero; alem disso, o
calyz he lanuginoso, a corolla tem o tubo hum
pouco felpudo por fora, e a orla dividida em lacinias
agudas, e mais, ou menos purpureas, ou
côr de carne.
Os orgao sexuaes, fructo, e sementes são
como mencionei no caracter natural do genero.
Esta especie he indigena do Brasil, Perú,
Antilhas, e outros paizes quentes da America;
a mais antigamente usada para tabaco de fumo,
[6]
e as suas variedades, e subvariedades são hoje
tambem as que mais se empregão na fabricação
dos diversos tabacos. A sua duração, e tempo de
florescencia varião conforme os climas; nos do
norte da Europa he ordinariamente annual, floresce
commumente em Julho, e Agosto, e perece
inteiramente com os frios do outuno: nos paizes
os mais meridionaes da Europa vive ordinariamente
mais de hum anno, e floresce aqui em
todas as estações, menos no inverno; na Africa,
e Asia a sua duração, e florecencia differe pouco
das da America meridional: no Brasil chega
a viver dez, e doze annos, florece em todas as
estações, e conserva muitos annos as suas folhas
vigorosas.
Especie 2.ª
Nicociana arbustiva, ou Tabacoeira arbustiva.
(
Nicotiana fruticosa de Linnéo, La Marck,
e outros Botanicos.)
Caracter especifico abbreviado, segundo os Botanicos
modernos.
As folhas são estreitamente lanceoladas, muito
attenuadas para a banda da base, e parecendo
assim quasi pecioladas, mas são rentes, com
os seus lobulos abarcantes, e pouco, ou nada decursivos;
o caule he arbustivo.
Os distinctivos, que nas suas Descripções os
Botanicos modernos dão desta planta, e o caracter
especifico, que lhe designão, são insufficientes
para a constituir especie diversa da precedente;
o ser arbustiva, ou subarbustiva he proprio
tambem da primeira; as folhas, mais ou menos
estreitas com a forma lanceolada, só podem
[7]
constituir variedade, e o mesmo se deve julgar
de ser a sua panicula hum pouco mais laxa, o
caule mais baixo, e as lacinias do calyz, e da corolla
mais compridas, e o seu tubo mais apertado.
Nem me parece que esta planta seja indigena
da China, e do Cabo da Boa Esperança, como
dizem, antes penso que he Americana na sua
origem, pelas razões, que depois indicarei, e tão
somente huma variedade da Nicociana Tabacoeira
do Brasil, que nos ditos paizes se acha naturalisada.
Especie 3.ª
Nicociana rustica, ou Tabacoeira menos ordinaria.
(
Nicotiana rustica Lin. et La Marck.)
Caracter especifico abbreviado.
As folhas são ovadas, obtusas, pecioladas; as
corollas das suas flores são amarelladas, de orla
muito curta, com lacinias obtusas.
Descripção.
A raiz desta planta he da grossura do dedo
minimo no seu collo, raramente simples, quasi
fusiforme, porquanto ordinariamente he dividida
em varios ramos, de côr alvadia, mais ou menos
obliquos, sem profundarem muito a terra, e
guarnecidos de muitas radiculas capillares. O seu
caule he roliço, felpudo, viscoso, rijo, e levantado
até á altura de dous, ou tres pés; divide-se
em varios ramos, alternos, levantados. As suas
folhas são tambem alternas, ovadas, obtusas, viscosas,
integerrimas, e todas pecioladas com peciolos
curtos; a sua superficie he rugosa em huma
[8]
variedade. As duas flores são dispostas em huma
panicula apertada na extremidade do caule,
e ramos. A sua florecencia na Europa he em Junho,
e Julho. A corolla he amarellada, tem o
tubo pouco mais comprido do que o calys; a sua
orla he pequena, patente, e dividida em cinco lacinias
obtusas, e redondeadas. As suas capsulas são obtusas,
e quasi globosas. Esta especie he
indigena do Brasil, e de outros paizes da America
meridional; alguns pertendem que as suas
sementes forão trazidas do Mexico para a Europa,
e antes que as da Nicociana Tabacoeira vulgar;
seja o que fôr, he certo que ha muitos annos
os Inglezes, Francezes, e outras Nações Europeas
a cultivão para tabaco. Ella se acha aclimada,
e naturalisada hoje na Europa, e em alguns
sitios, que são proprios para os Meimendros;
propaga-se pelas suas sementes tão espontaneamente
como elles; por tanto a sua cultura he
muito facil, mas as suas folhas são pequenas, e
somente para tabaco de fumo se tem reputado
proprias. Eu não sei se no Brasil ella he hoje
empregada neste uso, porque antigamente só era
usada como medicamento.
Especie 4.ª
Nicociana glutinosa, ou Tabacoeira racimosa.
(
Nicotiana glutinosa Lin. et La Marck.)
Caracter especifico abbreviado.
As folhas são cordiformes, integerrimas, pecioladas;
as flores dispostas em racimos, e voltadas
todas para hum mesmo lado; o calys tem o
segmento superior maior.
[9]
Descripção.
Esta especie tem o caule roliço, felpudo, viscoso,
e por fim ôco; a sua altura he de dous até
quatro pés, e ordinariamente ramoso. As suas folhas
são pequenas, alternas, em forma de coração,
agudas, ondeadas, hum pouco felpudas,
muito viscosas, e pecioladas. As flores são viscosas,
e dispostas em cachos simples, e curtos;
os seus pedunculos são alternos, mas curtos
do que as flores, e unilateraes; junto da sua
base tem huma, ou duas bracteas lineares, agudas,
e de menor comprimento do que elles. As
lacinias do calys são agudas, mais ou menos desiguaes
entre si, e a superior he sempre mais comprida.
A corolla tem o tubo pallido, estreito, curto,
e curvado, depois he tumida, e bipeda, as
suas lacinias são ovadas, agudas, de côr purpurea
desmaiada, e hum tanto desiguaes no comprimento,
de modo que a orla parece quasi bilabiada.
Os estames estão inclinados para a banda
de cima da corolla, e igualmente o estylete do
pistillo. A capsula he ovada, e aguda. Esta planta
he indigena do Perú, e annual; alguns a cultivão,
e empregão as suas pequenas folhas nos
mesmos usos, que as da Nicociana rustica.
Especie 5.ª
Nicociana paniculada. (
Nicociana paniculata
Lin.)
Caracter especifico abrreviado.
As folhas são cordiformes, integerrimas, e pecioladas;
as suas flores dispostas em huma laxa
panicula; o tubo da corolla he muito comprido,
[10]
e aclavado na parte superior; e as lacinias da sua
orla curtas, e obtusas.
Descripção.
O caule desta especie he roliço, estriado, e
coberto de huma lanugem alvadia; tem tres pés
e meio até quatro de altura, os seus ramos são
alternos, e levantados. As suas folhas tambem
são alternas, e em forma de coração, integerrimas,
agudas, e hum tanto alvadias, em razão
de serem cobertas de huma certa lanugem esbranquiçada;
os seu peciolos são compridos, canaliculados,
e cotanilhosos. As flores são dispostas
em huma panicula terminal, solta, e pouco ramificada;
os seus pedunculos são felpudos, e viscosos.
O calys he dividido em cinco dentes agudos,
e quasi lanceolados. O tubo da corolla he
muito comprido, estreito, e em forma de massa
(
clava) na sua extremidade; a sua orla he patente,
e as suas cinco lacinias são muito curtas, e
obtusas. Tem a capsula aguda. He annual, e indigena
do Perú, aonde foi descoberta, e desenhada
pelo Padre Feuillée. Mostra ter grande affinidade,
e semelhança com a
Nicociana rustica, mas
differe della, principalmente pelas suas folhas, e
corolla; florece na Europa nos mesmos mezes, e
lhe pode ser substituida, posto que mais delicada.
Não sei que esta especie seja indigena do Brasil,
nem que nelle seja cultivada, e me admiro
muito que Mr. Sarrazin no seu moderno Tractado
das Tabacoeiras, seguido por Mr. Bosc, e alguns
outros Botanicos Francezes, diga ser ella
a Tabacoeira commum do Brasil, e da Asia, a
qual com grande probabilidade me não parece
ser outra senão a
Nicotiana tabacum de Linnéo.
[11]
Todos os Auctores Botanicos, que nos seus
Tractados Systematicos fazem menção deste genero
de hervas destinadas para a facturação de
diversos Tabacos, começão pela especie, que Linnéo
denomina
Nicotiana Tabacum; todos os Tractados
sobre o Tabaco, ou pró ou contra o seu
uso, indicão esta mesma especie, e a dizem ser
indigena de Yucatan, aonde os Hespanhoes a
achárão em 1520, e depois em Tabago, e outros
paizes quentes da America; os Portuguezes a descobrírão
tambem depois no Brasil, e lhe derão o
nome de Herva Sancta por causa da sua virtude
vulneraria, e outras. Ella he pois a primeira, e
a que mais antigamente foi conhecida no seu
genero: Hespanha, e Portugal forão tambem os
paizes da Europa, para onde primeiramente as
suas sementes forão remettidas, e aonde forão
primeiramente obtidas, compradas, e para outros
enviadas. Mr. Nicot, sendo Embaixador de França
na Côrte de Lisboa, ahi as conseguio, e levou
para París em 1560, anno em que data a introducção
da Herva do Tabaco em França; por
cujo motivo muitos Francezes lhe ficárão chamando
Nicociana: depois Tournefort; e Linnéo,
e alguns outros Botanicos adoptárão este nome
com preferencia a outros, e o constituírão generico,
applicando-lhe por especifico o de Tabacoeira,
ou Tabaco, que era o nome, que os Hespanhoes
lhe havião dado, deduzido da Ilha de
Tabago, aonde a sua cultura, e commercio primitivamente
se tinhão estabelecido. O Cardeal
de Sancta Cruz, Nuncio do Papa em Lisboa, no
mesmo tempo, em que nesta Capital Mr. Nicot
havia estado por Embaixador de França, tendo
tambem ahi podido obter algumas das ditas sementes,
as mandou para Italia, aonde fez pela
[12]
primeira vez conhecer aos Italianos a Herva do
Tabaco, e elles lhe derão então por isso o nome de Herva de Sancta Cruz. Por meio destas, e
outras sementes, que os Italianos alcançárão de Portugal, Hespanha, e de outros paizes da Europa,
aonde já era cultivada esta especie, estendeo-se
a sua cultura pela Calabria, Sardenha,
Ilhas do Archipélago, Syria, e Asia menor. Os
Portuguezes, e Hollandezes, que introduzírão
pouco a pouco o uso de tomar Tabaco de fumo
em todas as costas meridionaes da Africa, e Asia,
em alguns lugares dellas tambem introduzírão as
sementes, e cultura desta especie de Nicociana;
ella se tem ahi facilmente naturalisado por serem
os climas muito analogos ao do seu paiz natal
Americano; e hoje de tal sorte ahi se encontra
vegetando espontaneamente, que parece tambem
ser indigena da Africa, e Asia, e por alguns assim
erradamente tem sido reputada.
A cultura desta especie, em pequena quantidade
tanto nas hortas de Portugal, como nas das Ilhas
dos Açores, he muito antiga; e provavelmente
começou a tentar-se logo que as suas folhas entrárão
a ser lucrativas. Nenhum paiz da Europa
he mais favoravel á sua vegetação, e cultura do
que Portugal; algumas pessoas me tem assegurado
tê-la visto espontanea na visinhança de algumas
hortas no Algarve; na Ilha das Flores
tambem me consta dar-se espontaneamente, e
por isso os habitantes lhe chamão
brava; neste
estado silvestre o seu caule, folhas, e outros productos
são mais pequenos do que os das cultivadas,
a que chamão
mansas, e
xarafanas; mas esta
differença só constitue variedade de especie,
e não especie diversa, porque todas concordão
essencialmente no mesmo caracter especifico, e
[13]
todas tem as mesmas qualidades, e prestimos.
Á proporção que o uso das folhas desta Tabacoeira
primaria se foi dilatando, e, sendo lucrativo,
assim se forão estendendo as suas culturas
por toda a parte; nas que se estabelecêrão nos
paizes do norte da Europa, e America a especie
passou ahi a ser annual, e a produzir muitas variedades,
com folhas mais ou menos estreitamente
lanceoladas, pontudas, e pouco ou nada decursivas.
As folhas de todas as variedades, ou
estreitas ou largas, são sempre mais ou menos
acres, e narcoticas, conforme os climas, e terrenos,
em que se cultivão; e em razão destas qualidades,
mais ou menos fortes, são usadas ou só
per si, ou mistas com outras para os differentes
Tabacos.
As culturas das variedades desta especie não
são uniformes por toda a parte; e como ellas não deixão de contribuir mais ou menos para as qualidades
da sua folha propria para differentes Tabacos,
eu passarei agora a expôr as que em diversos
climas diversas Nações praticão, por desejar
ser util a quaesquer colonos, que houverem
de emprender este genero de Agricultura nos Estados Ultramarinos Portuguezes.
[14]
CULTURA
DA
PLANTA DO TABACO.
Em diversos paizes, onde se cultiva esta Planta,
seguem-se methodos diversos, que exige a
variedade dos sitios, e climas, e mesmo ordinariamente
a natureza dos terrenos. Estes methodos
convem nos essenciaes pontos, e só differem
em algumas circumstancias particulares. A maior
parte da Folha de Tabaco, que consome a Europa,
vem dos Estados Unidos da America; será
pois acertado fazer conhecer primeiro como elle
he cultivado, e preparado nesta parte do Globo
terrestre; e como a exportação maior he dos
Estados da Virginia, e Maryland, por estes principiaremos.
Cultura, e preparação da Planta do Tabaco na
Virginia, e Maryland, segundo Miller.
Na Virginia, e Maryland semêa-se a Tabacoeira
em camas de estrume, e debaixo de caxilhos;
esta sementeira faz-se na primavera, mais
cedo ou mais tarde, segundo esta estação, he
mais ou menos temporã, e em
razão de ser mais
ou menos favoravel a sua temperatura, e meteoros.
Faz-se tambem a sua sementeira nas terras bem
lavradas, estrumadas, esterroadas, e tornadas
soltas; mas então ha cuidado de cobrir a dita sementeira,
[15]
havendo a menor apparencia de frio.
Esta planta gosta de huma terra quente, branda,
fertil, e mista de arêa; em hum terreno virgem,
e humido ella cresce com muita força.
A planta, criada ou nas camas de estrume,
ou no meio das terras em sementeira conveniente,
acha-se em estado de ser transplantada para
o lugar, onde deve ficar, logo que tem quatro
folhas, e que a quinta começa a formar-se; para
esta operação aproveita-se a primeira chuva. O
terreno destinado para nelle se transplantar a Tabacoeira
está preparado em monticulos, como para
huma plantação de Lupulo; elle deve ter sido
lavrado á charrua, ou á enchada, o que he ainda
mais util, e tornado tão brando, e solto, quanto
he possivel. Na exposição do Sul, em declivio
brando, ou em hum campo abrigado dos ventos
Norte, e Nordeste, o bom successo da plantação
he mais seguro.
Hum mez depois que as tenras plantas tem
sido transplantadas, ellas adquirem hum pé, ou
mais de altura. Se ellas crescem rapidamente, elevão
muito de pressa a sua guia, e lanção rebentões
na parte superior; os cultivadores cortão-lhos
todos, e a guia, a fim de que o tronco forneça
mais succos ás folhas; arrancão tambem, ao mesmo
tempo, e pelo mesmo motivo, as folhas, que
estão muito baixas, e perto da terra, deixando
só no tronco oito até doze. Elles tem cuidado de
sachar muitas vezes o terreno plantado, e de arrancar
todos os renovos, que rebentão ao longo
do tronco, ou da sua base, e pé.
Tres mezes quasi, depois de se ter feito a
transplantação, as plantas tem adquirido todo o
seu crescimento; ellas tem então quatro ou cinco
pés de alto, e ás vezes mais; são outra vez
[16]
decotadas na guia, e rebentões. Brevemente, depois
disso, as folhas, que erão de huma côr verde
pállida, ou amarellada, se tornão de hum verde
escuro misto de malhas pequenas amarelladas
nas suas nervuras; ellas se enrugão, e começão
a tornar-se mais asperas ao tacto; he por estes
signaes que os Cultivadores conhecem a madureza
das tolhas.
Cortão então as plantas, algumas pollegadas
acima da face da terra, á proporção que vão amadurecendo
as suas folhas; deixão-as deitadas no
chão todo o resto do dia, o que faz murchar as
folhas. Junto á noite ajuntão-as, e põem-as em
montes para que transpirem, ou suem alguma
humidade durante a noite; e, se ellas abundão
muito em succos, expõe-as de novo ao Sol no dia
seguinte para que melhor amadureção, e se condensem
os seus ditos succos; depois disso levão-as
para debaixo de telheiros, ou alpendradas, edificados
de modo que o ar nelles possa entrar por
todas as partes, mas não a chuva. Pendurão-as
ahi, cada huma separadamente, e deixão-as seccar
por espaço de quatro, ou cinco semanas. Se
a estação corre fria, usão do fogo para esta desseccação.
O tabaco de Maryland, destinado para
fumar, he quasi inteiramente seccado por meio
do fogo; elle se torna amarellado, e he o mais
caro de todos.
Depois da inteira deseccação, as plantas são
tiradas dos telheiros em hum tempo humido; porque,
se as tirassem donde estavão penduradas
em hum tempo sêcco, as folhas se desfarião em
migalhas. Depois estendem-as em montes sobre
esteirões feitos de verga, cobrem-as, deixão-as
ainda suar huma semana, ou duas, conforme a
sua qualidade, e conforme corre a estação, e tem
[17]
cuidado de visitar os ditos montes repetidas vezes
para examinar o gráo do seu calor, para os
abrir, revirar, e revolver, a fim de impedir que
nenhuma das suas partes aqueça demasiadamente,
porque a fermentação poderia passar até o
gráo de inflammação; e demais disso huma demasiada
reacção fermentativa destruiria os principios,
e qualidades dos succos, e faria apodrecer
as folhas: he esta pois a parte mais difficil
da sua preparação, e não admitte regra geral;
ella depende unicamente da experiencia, e habito;
hum negro exercitado nesta manipulação,
mettendo a mão em hum monte de folhas, destinguirá
cem vezes melhor o gráo conveniente
de calor, do que o faria hum physico com o seu
thermometro.
Quando esta fermentação está completamente
terminada, despojão os troncos das suas folhas,
separando-as da parte do cume do tronco daquellas
da banda da raiz, e esta separação em duas,
ou tres classes. Estas folhas deixão-se inteiramente
seccar de novo, e depois são reunidas dez
a dez, ou doze a doze em molhos, e ligadas; estes
molhos são chamados
manócas, e são postos
em camadas regulares em barricas, pondo-se repetidas
vezes por cima dellas, á proporção que
se vão enchendo as barricas, huma forte tampa
redonda, apertada nas ditas vezes por meio de
hum prélo, ou alavanca de 1.ª especie, que faz
o effeito de hum pezo de 2, 3, ou 4 mil arrateis.
Este modo de embarricar, em razão da compacidade,
em que ficão as folhas, he hum dos pontos
os mais essenciaes para a boa conservação dellas.
Ás vezes as folhas de melhor, e mais fina
qualidade são enviadas em forma de rôlos;
então as folhas são despojadas das suas fibras grossas,
[18]
ou costilhas. Estas duas operações, tanto de
embarricar, corno de fazer os rôlos, são effeituadas
em hum tempo humido, quando as folhas sêccas
são mais brandas, e flexiveis.
As folhas da Tabacoeira assim preparadas são
remettidas ao lugar do mercado; mas antes de
ser vendido está sujeito a ser examinado pelos Officiaes
públicos instruidos para isso, e chamados Inspectores do Tabaco, os quaes determinão a
sua qualidade. Toda a sorte de folha mal preparada,
que foi molhada no caminho, e que por isso,
ou por qualquer outras causas fermentou de
novo nas barricas, he condemnada a ser queimada,
e perdida por conta de seu dono. Os Americanos
tem leis para regular todos estes objectos;
e pela rigorosa observação dellas he que a
cultura da planta, e a preparação da folha se tem
tanto aperfeiçoado, e que o commercio, que com
ella fazem, se tem estendido até o ponto, em que
se vê. Nos annos antes da sua ruptura com a Inglaterra,
as duas Provincias da Virginia, e Maryland
remettião á Grã-Bretanha 768:000 libras
esterlinas em folhas de tabaco: o seu preço medio
era a oito libras esterlinas por cada barrica
de 1:200 até 1:400 arrateis cada huma, o que faz
96:000 barricas de exportação. Desta quantidade
quasi 13:500 barricas se gastavão nos Reinos Britannicos,
e pagavão ao Estado 26 libras esterlinas
e hum xelim de direitos por barrica, por tudo
351:675 libras esterlinas; as outras 82:500 barricas
erão exportadas para outros paizes da Europa
pelos Negociantes Inglezes. Neste ramo de
commercio só per si erão empregados trezentos
e trinta navios, e quatro mil marinheiros.
Ao que dissemos sobre a cultura, e recolhimento
das folhas da Tabacoeira nos Estados Unidos
[19]
dos Americanos, devem ajuntar-se as observações
seguintes.
1.ª A boa folha das Tabacoeiras completamente
preparada, e embarricada do modo acima
declarado não súa, nem fermenta mais, excepto
havendo algum accidente extraordinario: se, pelo
contrario, ella foi mal preparada, não sufficientemente
sêcca, nem bem comprimida nas barricas,
ella soffre huma nova fermentação, e depois
apodrece.
2.ª A folha das Tabacoeiras de huma segunda
colheita, isto he, os renovos, que rebentão
nos troncos, ou tocos, depois que a primeira planta,
ou tronco principal foi cortado, he sempre
ruim, fora de estado de se poder conservar por
qualquer preparação que seja; por conseguinte
a sua exportação para o estrangeiro ou só per si,
ou misturada com outras he constantemente prohibida
pelas leis do paiz.
3.ª Quanto mais pingue, e humido fôr o terreno
empregado na cultura, e plantação da planta
do Tabaco, e quanto mais esta abundar em
principios aquosos, oleosos, e acres, tanto mais
tambem se prolongará a sua desseccação, e fermentação,
e precisará de mais cuidado: huma
preparação sufficiente para a folha ordinaria he
insufficiente para esta, porque ella fermenta de
novo, e se corrompe depois; ella fermenta, e
apodrece tambem, todas as vezes que he molhada
na barrica, ainda mesmo que tenha sido bem
preparada. Nesta nova fermentação as folhas se
enchem de bolôr, perdem o seu cheiro, e gosto,
fazem-se brancas, e de modo tal se corrompem,
que não servem para mais nada do que para estrume.
4.ª Em hum terreno muito pingue, e humido
[20]
a planta do Tabaco eleva-se até mais de seis pés,
e as suas folhas por todos os lados adquirem huma
extensão enorme. Huma planta tão bem nutrida
contem huma tal abundancia de succos, e
principios taes, que he difficil de preparar a sua
folha de modo, que se possa conservar muito
tempo sem huma nova fermentação perigosa.
5.ª As plantas, que produzem a folha de mais
fina, e delicada qualidade, são as que se crião
em hum terreno moderadamente pingue, e solto
na parte occidental da Virginia, e Maryland,
perto das montanhas de Allegany; mas o producto
he muito menos do que nos prados humidos,
e nas margens dos rios, que ficão mais perto do
mar. Se o terreno he muito solto, e sabuloso, a
planta soffre nimiamente da sêcca, e calor, e produz
muito pouco.
6.ª Em fim, he necessario hum muito grande
gráo de calor tanto para a cultura, como para a
preparação da Folha das Tabacoeiras; o calor do
mez de Junho, Julho, e Agosto na Virginia he
ordinariamente de quasi 30 gráos do thermometro
de Reaumur; e esta Provincia está situada
entre 36, e 40 gr. de lat. septentrional.
Da Cultura da Tabacoeira em Hollanda.
Ainda que a Hollanda esteja em hum clima
bem diverso do da Virginia, o povo industrioso,
que o habita, não he menos dado á cultura da
planta do Tabaco, e delle tem feito hum dos ramos
importantes do seu commercio, e das suas
riquezas.
Cultiva-se com effeito muito Tabaco na Hollanda;
somente as Provincias de Gueldres, e
Utrecht produzem annualmente onze milhões de
[21]
arrateis, de que tres erão algum dia vendidos ao
Contracto geral de França. Neste paiz, principalmente
nos redores de Armesfort, semêa-se a
semente da planta do Tabaco em grandes camas
de estrume formadas com taboas; ellas tem tres
pés de altura, dez de largo, e hum comprimento
indeterminado; são rodeadas por fora até a altura
das taboas com estrumes dos porcos, e carneiros,
mistos com a palha das camas, em que
elles se deitão; e por dentro são recheadas da
mesma casta de estrume até a altura de dous pés,
e por cima deste de hum pé de terra fina solta,
e bem mista com estrume podre, que forma huma
sorte de verdadeira terrugem.
Em quanto a semente germina, e a plantula
seminal cresce, e se fortifica nesta cama de estrume,
preparão-se outras camas não longe della,
mas de hum genero differente, e são humas
especies de canteiros. Para os fazer abre-se no
terreno huma cova de algumas pollegadas de
profundidade; são separados estes canteiros huns
dos outros por huma vereda de hum palmo de
largo, ou pouco menos, são escarnados, a sua
base he de dous pés e meio, a sua altura he de
dous pés, e a sua escarpa, ou jorro he de tres
pollegadas de cada hum dos dous lados, de sorte
que na parte superior só tem dous pés de largura,
e o seu comprimento he indeterminado. A
sua direcção he do Norte para o Sul. Na altura
de seis, ou oito pollegadas acima do nivel da cova
põe-se huma camada de estrume de carneiro
bem fino, e esmigalhado, a qual he de pollegada
e meia de grossura, e por cima della outra de
seis pollegadas de terra bem estrumada, e se continúa
assim camada sobre camada até a altura
indicada de dous pés. As veredas tem duas utilidades:
[22]
o dar expedição á corrente das aguas,
e commodidade para fazer as sachas. Ás vezes
estes canteiros tem mais, ou menos altura, conforme
o terreno he mais, ou menos humido: mas
a sua largura na parte superior he sempre de
dous até tres pés, quando muito. He nestes canteiros
assim preparados que se faz a transplantação
das novas plantas, com as cautelas ordinarias;
e para tirar algum proveito das camas de
estrume das sementeiras, que ficão então vagas,
semêão nellas sementes de alface, aipo, e de outras
hortaliças. As novas plantas de Tabaco são
encravadas na terra até ao nascimento das folhas,
e pé e meio distantes numas das outras; ellas são
dispostas em quincunce, e formão duas fileiras
em cada canteiro.
Os campos das plantações das Tabacoeiras em
Hollanda são rodeados de seves muito altas, ou
de plantações de arvores, sem dúvida para abrigar
as plantas dos ventos impetuosos. Dão-se a
estas plantas, até ao periodo da sua madureza,
quasi os mesmos amanhos, que se costumão dar
na America septentrional, isto he, são sachadas,
regadas, quando o precisão, despontadas da guia,
e despojadas dos seus renovos, etc.
Depois de se terem alimpado os seus renovos,
começão-se a colher as folhas da segunda, e terceira
qualidade. A terceira qualidade consiste nas
mais pequenas, e peiores folhas, que se achão na
parte infima do tronco; as que se achão situadas
immediatamente acima dellas, em numero de cinco,
ou seis, são as da segunda qualidade; colhem-se
humas, e outras ao mesmo tempo; mas escolhem-se
depois na casa do seccadouro. Em quanto
ellas se secção, alimpão-se dos rebentões novamente
as plantas, e vigião-se, a fim de se poderem
[23]
colher acertadamente as folhas, que restão,
e formão a primeira qualidade; porque, se acaso se deixão amarellar no tronco as folhas, ellas
perdem a sua força, e facilmente soffrem degradação.
Estas duas colheitas são feitas por mulheres,
que arrancão as folhas o mais perto do
tronco, que podem, e mesmo com huma porção
da casca, e epiderme delle, para que ellas pezem mais.
Depois das preparações competentes, que são
as ordinarias, as folhas são postas em molhos, ou manócas, como os Francezes lhes chamão, e as
embarricão, ou entrouxão apertadamente em esteiras,
e mesmo em grandes cestas.
Segundo Mr. Jansen, as plantas do Tabaco,
principalmente aquellas, que se achão no meio
dos campos, soffrem infinitamente por causa dos
ventos fortes, e chuvas, que os acompanhão, e pelo granizo principalmente, que ás vezes dentro
de poucos minutos rouba ao plantador todo o
fructo do seu trabalho. Para obviar esta desgraça
do modo possivel os cultivadores dividem hum
campo em muitos canteiros quadrados, isto he,
em trinta até trinta e seis por
arpente, ou courella de cem aguilhadas, cada huma de vinte pés.
Rodêão-se estes quadrados de ramalhos de carvalho, amieiro, salgueiro, ou de faia; mas a primeira
especie de ramos he sem dúvida a melhor,
porque pode aturar dous annos no cercado, e as
outras devem mudar-se todos os annos. Esta sorte
de ripados he praticada, fazendo-se primeiramente
regos fundos á enchada, mettendo nelles
os ramos, e entulhando então os ditos regos. Estes
abrigos, ou quebra-ventos guardão as plantas dos máos effeitos dos ventos, e chuvas fortes:
elles servem tambem para os feijoeiros de trepa,
[24]
que gostão de terra estrumada, funda, e alteada,
como a que he propria para a cultura da planta
do Tabaco, são proveitosos pelos seus fructos, e
ajudão tambem a abrigar as plantas do Tabaco.
Passados dous annos estas seves de ramos de carvalho
são tiradas, e servem de lenha para o lume,
e logo se estabelecem outras.
Alguns cultivadores arrancão os troncos, de
que se tem tirado as folhas, os quaes juntos com
alguns rebentões, que tinhão guardado, lhes servem
para fazer estrumes, que espalhão nas terras
lavradias; mas he melhor, nas terras destinadas
para a cultura do Tabaco, deixa-los apodrecer
nellas, espedaçando-os, e enterrando-os
com a enchada, quando se revolve o terreno na
primavera.
Da Cultura das Tabacoeiras na Alsacia.
Depois da Hollanda, a Alsacia he o paiz da
Europa, onde a cultura da planta do Tabaco tem
sido seguida com mais cuidado. Por evitar repetições
indicarei somente, segundo Kauffman, e
Mr. de Villa Nova, as operações particulares adoptadas
no dito paiz.
Alguns dias antes de fazer a sementeira os
cultivadores mettem a semente dentro de hum
pedaço de panno de linho, tem cuidado de humedecer
de quando em quando este panno, põem-o
em hum lugar quente, e mesmo sobre a coberta
dos seus fogões; quando a plantula seminal tem
germinado, e adquirido quasi meia pollegada de
comprido, lanção na terra a semente. As camas
de estrume, em que fazem a sementeira, são feitas
com menos cuidado do que as ordinarias dos
hortelões, e jardineiros. Nunca cobrem as novas
[25]
plantinhas, mas regão-as frequentemente, e até
duas vezes no dia. A transplantação faz-se no
mez de Junho. Como em outros lugares, as plantas
ficão distantes humas das outras dous pés em
todas as direcções; são sachadas duas, ou tres
vezes até o período da colheita. Junto do meado
de Agosto cortão-lhes as guias. As folhas pequenas
do cimo do tronco são arrancadas, logo que
apparecem, e só se deixão as grandes, ordinariamente
treze, ou quatorze.
A colheita tem lugar antes do fim de Setembro,
julgando os cultivadores que, se fosse mais
tempo demorada, os frios a destruirião, e que a
menor geada branca basta para matar as folhas.
Arrancão as folhas, e ficão na terra os troncos
em pé; não os cortão senão quando lavrão o terreno
da plantação passada, e então são enterrados
com o arado. As folhas são levadas ao seccadouro,
aonde ficão até ao mez de Março; então
fazem com ellas montes, ou rumas de 4 ou 5 pés
de alto, em que não bolem senão no tempo da
sua venda. O comprador se encarrega de tudo o
mais.
Hum
arpente de 48:400 pés quadrados pode
produzir cem quintaes (cem arrateis por quintal)
de folha fresca, que se reduzem a 14 quintaes de
folha sêcca.
As plantas são sujeitas a serem destruidas pelos
caracóes, e por huma especie de ferrugem.
Em taes casos reformão, com a brevidade possivel,
com plantas novas as que se achão estragadas.
[26]
Aviso aos Cultivadores da Planta do Tabaco em
França publicado pela Sociedade de Agricultura
de París.
As sementes da Planta do Tabaco (
Nicotiana tabacum)
semêão-se em viveiro, e transplantão-se
as plantulas nelle germinadas, quando ellas ahi
tem adquirido huma certa força. O viveiro deve
ser huma cama de estrume nos paizes, onde a
primavera he fria; e somente hum canteiro de
boa terra de horta nos paizes, onde o principio
desta estação he brando.
Quanto ás camas de estrume, ellas são bem
conhecidas dos hortolões, como tambem os gráos
de calor proprios para nellas se podêr semear a
semente da Planta do Tabaco. Usa-se commummente
do estrume de cavallo, que não esteja podre,
e, na sua falta, do estrume de vaccas: a quantidade
he proporcionada ás sementes, que hão de
ser semeadas. Para fazer a plantação de hum
arpente
de terra, que tenha novecentas toezas quadradas
(cada toeza consta de seis pés), serão sufficientes
seis oitavas de sementes, as quaes requerem
huma cama de vinte e dous pés de comprido,
e quatro de largo. Dá-se á cama a grossura,
ou altura de pé e meio até dous pés do sobredicto
estrume, ficando elle bem calcado com
os pés; este estrume depois será coberto com
seis pollegadas de terra de horta, ou, ainda melhor,
de terra de horta misturada com terrugem,
isto he, com esterco bem podre. Esta cama será
cercada com taboas para bem a suster, e mesmo
para sobre ella pôr caxilhos com papeis vernizados,
havendo necessidade delles, sendo a primavera
fria.
[27]
A semente de dous annos pode germinar tão
felizmente como a de hum anno; nós não assegurâmos
a bondade das sementes, que forem mais
velhas. No caso de dúvida pode fazer-se a experiencia
com algumas semeadas em canteiro, cama
de estrume, ou debaixo de hum caixilho vidraçado,
ou manga de vidro, conforme fôr o clima.
Pode-se appressar a germinação das sementes,
mettendo-as em hum panno de linho, humedecendo
este de tempos em tempos, e pondo-o
em algum lugar quente; e, quando a plantula seminal
tiver quasi quatro linhas de pollegada, deverão
ser semeadas, porque então vegetarão de
pressa, e rebentarão logo as suas plumulas.
O tempo, em que se costuma semear a planta
do Tabaco em França, he desde o fim de Fevereiro
até ao fim de Março. Esta planta, temendo
muito as geadas no seu estado tenrinho, e
quando se avisinha ao período da madureza das
suas folhas, he necessario livra-la das dictas geadas
na primavera, e com tudo semea-la assáz
temporã para que as suas folhas se achem maduras
antes das geadas do outono.
Escolher-se-ha hum dia, em que não chova,
para fazer a sementeira: como as sementes são
muito miudinhas, para que ellas possão ser espargidas
com maior igualdade, algumas pessoas
misturão-lhe arêa, ou terra. Depois de semeadas,
deve-se regar a sementeira com hum regador de
buraquinhos muito estreitos, cobrem-se com terra
fina peneirada por hum crivo, mas tão pouca,
e tão levemente, que baste só para esconder as
sementes. Huma cautela, que não he indifferente,
consiste em espalhar sobre a sementeira alguma
moinha, ou palhiço, que se pode tirar de
[28]
cama estrumada do anno antecedente, ou aliàs
huma pouca de palha branda, que se esmigalhará,
esfregando-a bem com as mãos. e pondo-a em
estado de moinha; esta moinha, ou palhiço assim
espalhado na sementeira quebra muito a força do
chuveiro do regador, batendo nelle primeiro que
na terra; e a radicula da semente não he arrancada,
nem a planta posta fora do lugar, em que
estava; em fim, a sementeira he mais igual tanto
na distancia, como na germinação, e força das plantas.
No caso que se semêe cedo, e que o paiz seja
frio, deve-se ter o cuidado de cobrir o lugar
da sementeira, durante as noites frias, ou com taboas
sustidas entre travessas por cima do dito lugar,
ou com lônas, ramalhos, ou com palha longa
de centeio. Alguns cultivadores se servem mesmo
de caixilhos vidraçados, ou de papel oleado
em lugar de vidros.
A fim de appressar a germinação das sementes
algumas pessoas, durante tres, ou quatro dias
tem a sementeira bem tapada, e coberta com caixilhos,
cujas juntas são barradas com bosta de
vacca; e depois deste tempo deixão entrar o ar
na sementeira, regão-a, e não a tapão tão exacta
e escrupulosamente. Nós não aconselhâmos
este methodo, porque exige muita vigilancia; e
os que não souberem tê-la farão com que a semente,
e nova plantula sejão queimadas com o
demasiado calôr, ou tambem que a plantula seminal,
crescendo rapidamente, fique esguia, e
muito fraca. Sabendo-se aproveitar o calôr das camas
de estrume, não ha necessidade de estar tapadas,
e cobertas; demais disso ellas podem ser
aquecidas, applicando-se-lhes á roda novo estrume,
se o frio da atmosphera o exige.
[29]
Deverá haver cuidado de mondar a sementeira
das hervas ruins, e de a regar, quando fôr
necessario.
Tudo o que dissemos a respeito da sementeira
em cama de estrume deve applicar-se igualmente
á que fôr feita em canteiros, que supprem
as camas nos paizes, em que ellas são inuteis.
As plantas brotadas das sementes semeadas
em Fevereiro estão boas para serem transplantadas
no mez de Maio; as da sementeira de Março
devem ser transplantadas mais tarde; tanto
as muito novas, como as muito adultas são igualmente
custosas de pegar. Quando ellas tem duas
pollegadas fora da terra, e cinco, ou seis folhas,
por pouco que o tempo seja favoravel, a transplantação
será segura, e feliz. Deve haver todo
o cuidado de não transplantar, em quanto se houver
de temer as geadas, porque as plantas tenras
no meio dos campos não se podem preservar dellas,
como nas sementeiras se pode fazer. No clima
de París he raro que hajão geadas depois de
dez de Maio.
A terra, em que se houver de fazer a plantação,
deve ser preparada do modo, que vamos
expôr. Será bom que se experimente, mas em
pequena quantidade, huma plantação em toda a
sorte de terrenos, a fim de se observar qual he
o que produzirá mais, e o que dará o de folha de
melhor qualidade. A planta dá-se melhor em huma
terra
substanciosa; por esta palavra entendemos
a terra composta de arêa, e de terra vegetal,
ou a composta de terra calcarea-humosa, e
argilla bem misturadas. He necessario que ella tenha muita profundidade, e fique bem solta, e
movel. Por isso hum lugar, aonde se cortou huma
matta, esteve hum prado arteficial muitos annos;
[30]
e huma terra virgem de bastante fundo arroteada
convem muito a esta plantação, por terem
muita terra humosa, como costumão ter as
terras novas. Não se pode duvidar tambem que
as terras, em que houve linhos ordinarios, e canamo,
açafrão, lupulo, etc. sejão tambem boas
para ella; as terras, que são boas para trigo, tambem
são proprias para a plantação da Herva do
Tabaco.
Á proporção de sua compacidade, ou segundo
forem mais ou menos tenazes, e duras, deve
o número das lavouras ser mais ou menos. Sendo
a lavoura feita á charrua dever-se-ha fazer
huma antes do inverno, a fim de que as geadas
possão dividir, e esboroar as leivas, e terrões; e
duas lavouras depois do inverno, a saber: huma
no principio da primavera, e outra pouco tempo
antes da transplantação. Ha terrennos, que precisão
de quatro lavouras, huma antes do inverno,
e tres depois delle, e ainda assim he preciso
gradar em cada huma dellas.
O amanho feito á enchada he melhor do que
feito com o arado, ou charrua; mas he mais custoso;
sendo feito á enchada bastará fazer huma
cava antes do inverno, e outra na primavera, excepto
se a terra se cobrir de hervas, porque então
será necessario fazer huma terceira cava.
Não se devem estrumar as terras virgens, ou
arroteas, mas devem-se estrumar aquellas, que
andarem em cultura regulada, que tem produzido
trigo, e outras plantas, que as tem esgotado
dos seus principios fertilisantes. Como, em geral,
as terras para a cultura das Tabacoeiras são terras
fortes, o estrume de cavallo deve ser preferido,
como tambem o dos carneiros, o das aves
domesticas, e mesmo os excrementos humanos,
[31]
posto que passem por diminuir a qualidade das
Folhas do Tabaco. He inutil dizer aos cultivadores
de grandes culturas que, se elles nellas empregarem
terrenos compactos, precisão de usar de
estrumes não de todo apodrecidos, alem das margas
calcareas, ou das caliças dos edificios velhos,
feitos com argamaça de cal, ou gesso, que são
muito proprias para abrir as argillas; e tambem,
no caso que os terrenos sejão muito soltos, elles
os farão mais fortes, estrumando-os com estrumes
bem podres, principalmente o de vaccas, e misturando
nos ditos terrenos margas argillosas; porque
estas preparações não são menos uteis, e necessarias
para os terrenos destinados para a plantação
das Tabacoeiras, do que para as searas de
milho, e trigo. A respeito da quantidade dos estrumes
necessaria ella depende da especie do estrume,
e do seu estado, como tambem da natureza
do terreno; bastará dizer que as terras para
a plantação das Tabacoeiras devem ser estrumadas
como costumão ser as que se destinão para
searas de trigo.
Fazendo-se o amanho á enchada podem-se formar
pequenos monticulos de terra, cuja base tenha
dous, ou tres pés de diametro: com o arado
mesmo na ultima lavoura se poderão fazer regos
largos, e fundos, ficando a terra em espigão alto,
o que fará as vezes de monticulos; elles podem
ficar tambem dous, ou tres pés distantes, e
fazendo margens.
A terra estando assim preparada, e a planta na
sementeira tendo adquirido a altura, e força convenientes,
passa-se a fazer a plantação, com tanto
que seja depois de ter chovido, porque a chuva
he necessaria para facilitar o arranco das plantinhas
com todas as suas raizes, e mesmo com
[32]
hum pequenno terrão, como tambem para a pôr
em huma terra, que logo não a seque. Pode com
tudo succeder que não tenha havido chuva; neste
caso será preciso regar bastantemente a sementeira,
e regar tambem cada planta, logo que
fôr transplantada; e não se deve lançar-lhe muita
agua de huma vez: será melhor regar com menos
agua, e por duas vezes.
Para plantar faz-se hum buraco na terra com
hum bordão aguçado em baixo, e curvado no cimo
para servir de punho (a que chamão plantador);
encrava-se neste buraco a planta até ao seu
olho, isto he, até ao ponto onde nascem as suas
folhas, e com o plantador se lhe encosta a terra
pelos lados para a firmar. Quando o terreno está
disposto em monticulos põe-se a planta no meio
de cada hum delles; e quando elle está preparado
em margens, ou tambem em regos aproximados
em adorsamento, ou espigão, põem-se as plantas
dous pés, ao menos, distantes humas das outras,
dando á plantação a forma de quincunce;
quanto menos bom para a qualidade da Folha das
Tabacoeiras fôr o terreno, tanto mais as plantas
devem ficar distantes humas das outras.
Succede ás vezes que as sêccas, ou geadas
serôdeas destroem algumas plantas, reservão por
isso algumas na sementeira, e com ellas são providos
os lugares vagos.
Deve-se sempre ter a plantação limpa de hervas
ruins, sachando-as tantas vezes, quantas forem
necessarias; ao menos tres sachas são precisas;
o tempo dellas he a necessidade, que o determina.
Quando as plantas tiverem hum pé, ou pé e
meio de alto, o que ordinariamente succede seis
semanas depois de plantadas, são sachadas, chegando-se-lhes
[33]
a terra em roda do pé elevadamente,
como se faz ao milho grosso, e ás batatas; e
esta operação he feita com a enchada, ou sacholas.
No periodo, em que se descobre em cada planta
hum nó, ou botãosinho, que he o principio da
flor, he tambem occasião propria para lhe cortar
a ponta da guia, a que chamão descabeçar, ou
despontar: com os dedos, navalha, ou tisoura
tira-se-lhe a ponta de modo, que não lhe fiquem
mais de doze até quatorze folhas. A planta então
fica reduzida á altura de dous pés. Esta operação
obriga a seiva a fazer rebentar diversos renovos
nas axillas das folhas. Devem-se estes tambem
arrancar todas as vezes que brotarem, a fim de
fazer derivar, e concentrar a seiva nas folhas, que
são o objecto principal da cultura.
Para ter sementes deixão-se no campo alguns
pés, sem lhes cortar a guia. Basta deixar poucos,
se não ha intento de vender sementes; porque
hum bom pé pode dar sementes para semear hum
arpente de París. Os pés bons para dar sementes
são os mais vigorosos, os primeiros que se plantárão,
e não os que forão substituidos nos lugares
vagos das plantas mortas. Na Hollanda estes
pés de plantas-mãis são desfolhados pouco a pouco,
á proporção que se vão elevando, para que
toda a seiva se dirija ás sementes, e só colhem
estes pés, quando as capsulas, que contem as sementes,
se tornão negras; cortão-os então, pendurão-os
nos tectos das casas, aonde ficão até á
primavera: as sementes assim dentro das suas capsulas
se fortificão cada vez mais, e se conservão
melhor.
Quanto ás plantas, cuja guia foi cortada, conhece-se
que as suas folhas são maduras, e boas
[34]
para serem colhidas, quando ellas começão a perder
aquelle verde vivo, que as caracterisava, e a
tomar por degradação hum fraco amarello; então
ellas se inclinão para a terra, e espalhão o seu
cheiro particular até huma certa distancia; nas
suas faces formão-se algumas pequenas malhas,
e a sua costilha, ou nervura media tem huma certa
facilidade de se podêr quebrar com os dedos.
Todas as folhas não amadurecem ao mesmo
tempo, por conseguinte não devem tambem ser
colhidas todas no mesmo tempo; começa-se pelas
debaixo, e destas se vai continuando até as ultimas
de cima. Por esta razão em alguns paizes
faz-se distincção das folhas em tres qualidades;
as mais estimadas são as mais altas do tronco.
Nas boas culturas, e fabricas de Tabaco cada
huma destas tres qualidades he estremada.
Á proporção que se vão colhendo, põem-se
humas sobre as outras, com o maior aceio que
he possivel, e levão-se para o seccadouro. São enfiadas
então em guita, ou fio de estopa grosso,
para serem penduradas em varas; ou aliàs furão-as,
e passão-as a varinhas cylindricas de vime,
salgueiro, ou amieiro, que tem cinco, ou seis
pés de comprido, e até huma pollegada de grossura.
Na enfiada ficão de sorte, que a nervura
media de huma não toque na da outra seguinte.
As varinhas são penduradas em varas, ou travessas
de madeira postas humas por cima das outras
em hum telheiro, ou alpendre, ou em algumas
aguas-furtadas, que tenhão aberturas de todos
os lados, a fim de que o vento possa seccar
as folhas. Mechem-se estas de quando em quando
nas enfiadas, principalmente quando não faz
vento; quanto menos conchegadas estão as folhas,
e quanto mais desviadas estão as varinhas das enfiadas,
[35]
com tanta mais facilidade se faz a deseccação.
As folhas de cima do tronco, ou as da primeira
qualidade são as que precisão de mais tempo
para se seccarem. Devem ser colhidas o mais perto,
que fòr possivel, do tronco para nada dellas
se perder.
Quando o tempo está nublado, ou humido he
forçoso fazer fogo no seccadouro, para que as folhas
se não alterem, e corrompão; mas estando
o tempo sêcco por nenhum modo se deve ahi entreter
fogo.
Com ouso he que se aprende a conhecer com
certeza o perfeito gráo da deseccação das folhas.
Se ellas ficassem muito sêccas perderião o seu
cheiro particular, e se desfarião em migalhas; e
se ficassem humidas apodrecerião. Poder-se-hia
dizer que hum bom indicio do dicto gráo he qunado,
apertando-se na mão hum punhado de folhas,
estas recobrão o seu volume, sem se quebrarem,
logo que se abre a mão.
Tanto que as folhas se achão sufficientemente
sêccas tirão-se para baixo as varinhas dependuradas,
põem-se no pavimento, ficando as folhas
nellas ainda enfiadas. Arranjão-se então humas
em cima das outras, e de modo, que formem hum
quadrado, no meio do qual se acha hum espaço
vazio necessario para que o vapor, que exhalão,
e que ainda transpirão, possa escapar, e sahir
bem livremente; deixão-se ficar neste estado durante
oito, ou quinze dias, e depois disso cobrem-se
até que com ellas se queirão fazer os molhos
chamados
manócas, que ultimamente se mettem
em barricas apertadamente, ou se entrôxão bem
em esteiras, aonde ficão até se venderem.
[36]
Cultura da Nicociana Tabacoeira na Guiana
Franceza.
Esta Colonia fica pouco distante da linha equinoccial;
ha nella grandes calôres, e abundantes
chuvas durante seis mezes do anno; os seus terrenos
em geral são soltos, e saibrentos, e por isso
proprios para a producção das Tabacoeiras. As
que ahi se cultivão são as mesmas, que se costumão
cultivar no Brasil, e Verina, ás quaes alguns
dão tambem o nome de Tabacoeiras do Rio
das Amazonas. As culturas são feitas humas em
matos, e bosques depois de queimados, outras
em terras, que já se tem rompido, e cultivado,
as quaes ficão mais ou menos visinhas das habitações.
As queimadas são verdadeiras terras virgens,
e o seu
humus, e cinzas supprem bem os
estrumes; he nellas que se fazem as plantações
mais extensas: nas outras, por falta de estrumes,
praticão-se bardos, ou malhadas, com bois, e cavallos,
e são as que produzem plantas mais fortes;
todas são cercadas de seves feitas ordinariamente
com Opuncias. Os trabalhos são todos feitos
á enchada; as cavas, e plantações fazem-se
em todas as estações do anno; as terras baixas,
e humidas são preferidas ás ladeirentas.
Para se fazer a sementeira escolhe-se hum terreno
fresco, e humido dentro de algum cerrado;
cava-se este, e estruma-se bem, ficando em fim
preparado da mesma sorte, que se costuma praticar
com os destinados para a sementeira de huma
horta. A semente de hum, ou dous annos,
tendo primeiramente sido misturada com cinza,
he então lançada no dicto terreno por dispersão,
como se semêa o trigo; cobre-se immediatamente,
[37]
e borrifa-se, o que raramente he preciso fazer
por ser o clima bastantemente chuvoso. A fim de
proteger as plantinhas recem-nascidas dos ardores
do Sol, até que sejão assás fortes para os poderem
supportar, cerca-se a sementeira com ramadas,
e esteirões.
Tres semanas, ou hum mez depois de feita a
sementeira, tendo então as novas plantas cinco,
ou seis pollegadas de altura, quatro, ou cinco folhas,
e mostrado hum vigoroso estado (porque as
muito altas, esguias, e com poucas folhas são
desprezadas) faz-se a transplantação. Arrancão-se
da sementeira as novas plantas, arranjão-se
com todo o cuidado em cestas com as raizes para
baixo, para que as folhas as preservem do Sol,
e ar quente, e immediatamente são levadas para
os terrenos, que se achão de fresco cavados; plantão-se
ahi com huma enchadada, regão-se depois,
e todas as vezes que o precisão: nos terrenos de
matos, e bosques queimados põem-se pé e meio
distantes humas das outras, e sem alinhamento
algum; a cultura nestes terrenos he misturada
mais ou menos com a do arroz, milho grosso, e
miudo, algodão, mandioca, e alguns outros vegetaes;
nos cerrados dispõem-se as plantas em
tres pés de distancia humas das outras, e ahi são
alinhadas, e cultivadas sem mistura de outras differentes
especies. O crescimento do caule em altura
varía de cinco até sete pés, e quando se julga
estar já bem vigoroso he despontado, a fim de
derivar a seiva para as folhas. Como os terrenos
são muito ferteis deixão-se no caule todas as folhas,
que são numerosas, de vinte até quarenta.
A colheita das folhas faz-se ordinariamente no fim
de tres mezes depois da transplantação, e em qualquer
hora do dia. Conhece-se que as folhas estão
[38]
maduras pela sua côr amarellada, varias especies
de manchas, e por quebrarem na base facilmente;
alguns as esmagão, ou triturão com as mãos,
seccão-as depois junto ao fogo, e com ellas ultimamente
cigarrando sabem reconhecer o seu estado
proprio para o apanho. São colhidas huma
e huma, e na primeira colheita só se apanhão as
inferiores, que estão maduras, sem com tudo estarem
sêceas, e deixão-se as outras para a seguinte.
Nas plantações em queimadas os cultivadores
costumão deixar na terra os caules depois da colheita
das folhas, e nelles colhem os tenros renovos,
que sabem aproveitar. As folhas, que se vão
apanhando, lanção-se em cestas, nas quaes são
immediatamente levadas para os telheiros, e ahi
alastradas sobre esteiras, caniços, e vergas enlaçadas,
em que ficão hum dia expostas ao ar para
se murcharem, e amollecerem. Depois disto
são bem estendidas, e dispostas em camadas dentro
de caixotes, pias, e celhas; sobre estas põe-se
então huma tampa de taboas bem carregada
com pedras; ficão assim tres, ou quatro dias a
fermentar, passados os quaes tirão-se dos dictos
vasos, ligão-se duas a duas, tres, ou quatro a
quatro com atilhos, para que servem as varinhas
de varias plantas, a que chamão
Liane, e os Portuguezes
Sipó; estes molhos de folhas pendurão-se
depois á sombra nos telheiros, e alpendradas até
adquirirem a sua sufficiente seccura. Neste estado,
e em dias frescos, e humidos são salpicadas
com agua do mar; tirão-lhes o fasciculo fibroso do
talo, e passão a fazer com ellas o tabaco de corda,
e tambem charutos, enrolando-as em hum fio
de arame. Alguns cultivadores costumão cortar
pela base os caules ainda succulentos das plantas,
e dependura-los nos telheiros, aonde, tendo
[39]
brotado alguns renovos, arrancão-lhos, dão-lhes
os mesmos preparos que ás folhas, e lhes servem
para rechear o âmago das cordas de tabaco.
A sementeira das Tabacoeiras, a transplantação,
amanhos, colheita das folhas, a sua preparação,
e venda fazem-se dentro do espaço de seis
mezes completamente.
Cultura da mesma planta em algumas partes
do Brasil.
As Tabacoeiras, que ordinariamente se cultivão
para a fabricação do tabaco, sendo todas indigenas
dos climas quentes da America meridional,
e de terrenos mais ou menos soltos, e humosos,
circumstancias proprias do Brasil, não se pode
duvidar que este vastissimo paiz seja naturalmente
do número dos mais proprios para a producção,
e boas qualidades de taes plantas. A
sua respectiva cultura, segundo as informações,
que tenho podido obter, he com pouca differença
em muitas Comarcas do modo, que passo a
expôr.
As primeiras, e abundantes aguas de Março,
e Abril, tendo humedecido sufficienternente as
terras, preparão-se alguns canteiros em hum terreno
d'antes bem estrumado, e nelles he semeada
por dispersão a quantidade de semente, que
se julga ser necessaria, e proporcionada á plantação.
Correndo o tempo favoravel, no fim de quatro
dias brota a semente, e dahi a hum mez, pouco
mais ou menos, as plantulas tem chegado á altura
de hum palmo, crescimento, em que costumão
ordinariamente ser transplantadas. Durante
este espaço de vegetação a sementeira he bem
mondada das hervas ruins, e se faz toda a diligencia
[40]
de dia, e mesmo de noite com luzes, por
afugentar, apanhar, e matar os insectos destruidores
das tenras plantas, os quaes ás vezes são
tantos, que as estragão todas, ou quasi todas, e
obrigão o cultivador a renovar a sementeira huma,
duas, e tres vezes: igual damno lhes causão
tambem algumas vezes os excessivos ardores do
Sol, e as demasiadas chuvas continuadas.
A extensão de terra destinada para a transplantação
fica em descanço no anno precedente,
e he ordinariamente proporcionada ao gado, de
que o cultivador pode dispôr para nella fazer bardos,
ou malhadas, especies de curraes mudaveis
de oito em oito dias. A terra, que fica em descanço,
e aonde se fazem os bardos, commumente
não he limpa do mato, que tem; este trabalho
he só feito no tempo visinho á transplantação;
mas alguns cultivadores mais intelligentes
costumão hoje não só alimpar-lhe todo o mato,
mas tambem cava-la, ficando sendo hum alqueive;
e o mato com algumas hervas servindo de
cama ao gado dos bardos. Chegado o tempo conveniente
para a transplantação, que ordinariamente
se julga ser Junho, e Julho, o terreno das
malhadas, se não tem sido alqueivado, he limpo
do mato á fouce, e á enchada, com a qual se costumão
fazer todos os trabalhos de revolver a terra,
porque o interessante uso do arado he muito
pouco praticado no Brasil. Limpa a terra, começa-se
por abrir em alguma das suas extremidades
huma cova da largura, e profundidade de pouco
mais de dous palmos, e puxa-se para dentro della
toda a herva, ou capim, que se acha tres palmos
á roda, operação que vulgarmente se chama
capinar; depois disto abre-se outra igual, tres palmos
distante da primeira, puxa-se a herva para
[41]
ella da mesma maneira, e com a terra, que della
se tira, acaba-se de encher a primeira, e sobre
esta se faz hum monticulo, ou camalhão, de
hum palmo de alto; em outra igual distancia, e
em linha recta, abre-se huma terceira cova, capina-se
á roda, entupe-se igualmente a segunda,
e sobre esta se forma hum segundo camalhão:
vai-se continuando uniformemente este trabalho
por toda a terra das malhadas até ella ficar cheia
de camalhões dispostos em fileiras, e todos distantes
entre si o espaço de tres pés. Faz-se então
a transplantação, se antes o tempo não tem
para ella corrido favoravel, aliàs faz-se á proporção
que se vão formando os camalhões. Consiste
esta em arrancar brandamente do canteiro da sementeira
as plantulas, que nelle tem crescido até
a altura de hum palmo, pouco mais ou menos;
mettem-se depois em cestos, e nelles são conduzidas
immediatamente ao lugar da plantação, aonde
se dispõem no alto dos camalhões, e ahi se regão
sem demora, no caso que não se esperem
chuvas. Antigamente não se usava esta sorte de
amanho, e ainda hoje, segundo me dizem, em algumas
pequenas culturas feitas em lugares baixos,
ferteis, e humidos, he omittida; nestes lugares
hum negro com hum páo agudo vai abrindo
buracos pouco a pouco em certas distancias, deita
nelles algumas sementes, cobre-as, e depois
de germinadas desbasta-as, e deixa somente ficar
huma, ou duas em cada buraco, as quaes sem
mais amanho que huma, ou duas sachas não deixão
de produzir bem.
Passadas algumas semanas depois da transplantação,
e tendo crescido as plantas hum palmo,
as hervas circumvisinhas dos camalhões roção-se
com a enchada, conchegão-se a elles, e
[42]
juntamente se chega a terra aos pés das plantas.
Neste estado com tudo a plantação he sujeita aos
mesmos inconvenientes que a sementeira, já por
causa dos insectos, já pelas contrariedades do tempo;
e os cultivadores necessitão por isso de fazer
segunda, e mesmo, terceira transplantação. Correndo
porem o tempo favoravel, e tendo as plantas
vegetado bem quatro, ou cinco semanas depois
do precedente amanho, costumão então impedir-lhes
o crescimento dos seus caules, e cortar-lhes
com as unhas a sua ponta, a que chamão
capar, deixando somente nelles sete, oito, ou mais
folhas á proporção do seu vigôr, e da fertilidade
do terreno, as quaes depois augmentão muito em
grandeza, e chegão ás vezes a ter tres palmos de
comprido, e dous de largo. Esta operação de mais
disso faz com que dentro de breve tempo comecem
nas axillas das folhas a apparecer olhos de
renovos, os quaes o cultivador, passados oito até
dez dias, manda cortar todos, ao que chamão
desolhar:
passado igual numero de dias, tendo segunda
vez brotado novos olhos, repete-se o mesmo
córte; mas nesta segunda desolhadura costumão
deixar intacto hum bom olho junto da base
do caule, como fiel, a fim de servir de principio
de huma nova producção, a que chamão
soca,
ou segunda Folha; por quanto, cortado o caule
da primeira Folha, forma-se outro igual do renovo
do dicto olho, ou fiel, o qual muitas vezes produz
mais, e melhor do que o primeiro. Pratica-se
com este segundo caule o mesmo despontamento,
e desolhadura, como no primeiro, e tambem
inferiormente junto do nó, em que nascêo;
do primeiro se lhe deixa hum olho de renovo intacto
para formar hum terceiro caule, e terceira
Folha. Neste caule, e em outros successivamente
[43]
delle originarios se pratica tudo o mesmo uniformemente,
e em fim se deixão alguns pés da
ultima producção, nos quaes se não faz despontamento,
nem desolhadura alguma, por serem
destinados a dar sementes para as futuras plantações.
Alguns dias depois da segunda desolhadura
observa-se terem as folhas crescido mais, e a entrarem
a mudar de côr mais ou menos, a amarellecer,
e dar signaes de maturação. Começa-se
então a sua colheita, a qual se faz ou apanhando
á mão cada folha sobre si, ou cortando o caule
em duas, ou tres partes, deixando em cada huma
destas algumas folhas; á proporção que se vão
apanhando as folhas, e cortando os caules, estes
productos são lançados em cestas, ou no chão por
alguns menos intelligentes, para ahi murcharem
hum pouco, e dentro de poucas horas são conduzidos
para as casas de preparação, telheiros; e
alpendradas. As apanhadas á mão são ahi reunidas,
cinco a cinco, ou seis a seis, em molhos, e
nesta forma dependuradas em cordas, ou varas
de sipó, que se achão prezas aos caibros dos telheiros;
os pedaços dos caules cortados com folhas
tambem são dependurados em semelhantes
varas, ou cordas. Ficão assim todas as folhas á
sombra, e em arêjo durante oito dias, pouco mais
ou menos. Tirão-se depois das varas, ajuntão-se
em montes, extrahe-se-lhes o fasciculo fibroso do
talo, ou nervura dorsal, operação a que chamão
espinicar a folha, e faz-se-lhes depois a preparação
denominada folha torcida, e separão-se as mais
largas para servirem de capas de corda. Aprestadas
assim as folhas passa-se immediatamente a
reduzi-las a corda, a capear esta, a enrosca-la,
e dispô-la era grossas maçarocas, a que chamão
[44]
bolas de tabaco de fumo. São estas enfiadas em
hum páo, e a sua corda he varias vezes desenroscada,
e tornada a enroscar em outro igual páo;
passados alguns dias são conduzidas para hum
tendal, aonde ficão postas, encravados os seus
páos a prumo em huma viga comprida, e côncava,
na qual escorre pouco a pouco o seu succo
oleoso, que se aproveita; e por longo tempo ainda,
e em varios dias se continuão as vira-voltas
da sua corda até que esta se julga estar bem curada,
e ter adquirido as perfeitas qualidades para
ser facturada em grossos rolos. He ordinariamente
em Janeiro que estes rolos se fazem com
a corda das bolas; as suas roscas são humedecidas
com huma mistura de melaço, e succos oleosos,
que as bolas d'antes tinhão vertido, ficão,
o mais que pode ser, apertadas, as terminaes são
cobertas com folhas sêccas de Gravatá, e outras
plantas, e se lhes põe por ultimo huma capa de
couro de boi bem conchegada. He neste estado
que a folha das Tabacoeiras preparada pelo cultivador
se conduz para a casa da arrecadação
competente, por onde precisa ser approvada para
se poder vender, e exportar.
Alguns cultivadores preparão tambem as folhas
de outro modo: depois de colhidas fazem com
ellas molhos de tres até cinco folhas, dependurão
estas manócas á sombra nos telheiros (os menos
intelligentes as põem ao Sol), e tanto que estão
quasi sêccas estendem-as em camadas dentro de
huma imprensa de figura parallelogramica, comprimem-as
ahi, e continuão este trabalho até que
todo o vão da imprensa se ache cheio de folhas,
formando estas hum sólido volume; abrem então
a imprensa, e tirão della esta pezada maça, cingem-a
com folhas sêccas de Gravatá, atadas com
[45]
vergas de sipó, cobrem-a ultimamente com couro
de boi, e he na forma deste fardo que se faz
a sua venda, e exportação. Outros imprensão as
mesmas folhas, no seu estado quasi sêceo, dentro
de barricas de vinhatico cercadas de arcos de ferro,
e sobrepostas em grossas taboas, que depois
de cheias tapão bem, e assim as vendem, e são
exportadas. A preparação das folhas em charutos
tem sido, segundo me dizem, tambem adoptada
nestes ultimos tempos por alguns cultivadores.
Cultura da mesma planta em Lataquia.
A melhor folha para o Tabaco de fumo, de
que se usa no Levante, he, segundo Mr. Olivier,
a da Tabacoeira vulgar, cultivada nos contornos
de Lataquia, Cidade da Syria, trinta legoas distante
de Alepo. Consiste a cultura, que ahi se
pratica, no seguinte.
No fim de Março faz-se a sementeira em hum
canteiro de terra pingue, humida, bem cavada,
e bem revolvida; hum mez, ou quarenta dias depois
arrancão as plantinhas, e as levão para hum
campo, o qual no inverno se tem preparado com
muitas lavouras, para esta plantação; fazem-lhe
regos, e nestes dispõem as plantulas, dous pés e
meio, e ás vezes menos, em distancia humas das
outras, logo depois regão-as huma, ou duas vezes
para que peguem, e vigorem; mas não as regão
mais vezes depois disto, por se julgar que
com isso a sua qualidade ficaria deteriorada; sachão-as
com tudo huma, ou duas vezes, e lhes
mondão as hervas ruins circumvisinhas. Tanto
que as plantas tem florecido colhem-lhes todas
as suas maiores folhas, enfião estas, e põem-as
a seccar dependuradas nos tectos de telheiros, e
[46]
mesmo das casas, que habitão, de modo que fiquem bem
expostas a ser arejadas. De quando
em quando então, dentro dos telheiros, e casas,
em que se achão as folhas dependuradas, queimão
varias plantas aromaticas, a segurelha, tumilho,
serpão, salva, e alecrim, o que ajuda a
secca-las mais de pressa, e a communicar-lhes
muitas particulas cheirosas. Estando quasi sêccas
arranjão-as em molhos, põem estes a fermentar
accumulados em hum montão, e para que a
fermentação não seja excessivamente activa, e
prejudicial revolvem algumas vezes estes molhos,
e os mudão de lugar. Em fim, tendo reconhecido
haver cessado inteiramente a fermentação, e
nada que damnifique a folha, passão a enfarda-la.
Continua-se a colheita das folhas durante a florecencia
da planta, e ainda depois, seccão-as, e
preparão-as do mesmo modo; mas o tabaco, que
dellas se obtem, he inferior na qualidade ao das
folhas da primeira colheita, e quanto mais se demora
a segunda, estando a planta em flor, tanto
mais o tabaco he forte, desagrada, e perde o seu
valôr; porque para os Turcos, e Asiaticos o melhor
tabaco de fumo he o que tem menos acrimonia,
e he mais adoçado. Em Lataquia o tabaco
de superior qualidade he o da folha das Tabacoeiras
cultivadas nos montes do seu contorno, elle
he mais estimado do que todo o que se obtem
das mesmas plantas, criadas em planicies, e este
tambem muito mais do que o da folha, das que
se cultivão em hortas, aonde a terra he muito
pingue, e as regas muito continuadas.
Taes são as principaes noções sobre a cultura
das Tabacoeiras praticada por differentes Nações,
e da qual me propuz tractar; não he do
meu objecto expôr aqui os trabalhos proprios da
[47]
fabricação das folhas destas plantas, depois que
sahem das mãos dos seus respectivos cultivadores,
e são reduzidas a tabaco em pó, ou rapé;
a este respeito pode consultar-se o Diccionario
das Artes, e Officios, da Encyclopedia Methodica
[1].
Quanto aos seus usos medicinaes, veja-se
o Tractado Methodico dos Medicamentos vegetaes,
do Dr. Murray.
[2]
FIM.
Notas:
[1] Arts et Metiers tom. 7 e 8 , art. Tabac, et tom. 4, des
Planches, Tabac.
[2] Murray Appar. Medicam, tom. I. pag. 383.
Lista de erros corrigidos
Aqui encontram-se
listados todos os erros encontrados e corrigidos:
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Correcção |
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razão de ser |